O Junk Food da tecnologia
O vibe-coding é para a programação o que o junk food é para cozinhar.
Recentemente, durante um jantar com colegas de trabalho, estávamos discutindo como cada um lidava com sua pausa para almoço nos dias em que trabalhamos de casa. Eu contei o que eu gosto de fazer: sair da frente do computador por uma hora, ir pra cozinha e preparar meu almoço do zero. Não apenas pra descansar a cabeça da programação ou dos bugs ou das reuniões, mas pra exercitar outras formas de pensar. Juntar alguns ingredientes e em minutos transformá-los em algo novo, bonito, cheiroso, saboroso. E sentir a satisfação de criar.
Um colega acenava enquanto eu falava, ansioso pra falar logo em seguida. E disse que ele fazia a mesma coisa, e contou também dos outros momentos de prazer enquanto cozinhamos: experimentar, gostar do que fez, compartilhar com alguém, e perceber que outra pessoa também gostou.
Na minha cabeça isso é totalmente arte.
"O domínio do conjunto de normas e regras necessárias à expressão e transmissão dessas sensações e sentimentos; esmero técnico, habilidade, perfeição." (Dicionário Michaelis)
Fazer meu almoço é como fazer um desenho ou tocar uma música. No meu caso, meu almoço geralmente é muito melhor que meus desenhos e minha habilidade na guitarra tem definhado com a falta de prática. Mas a sensação e a satisfação de estar criando (comida, desenho, ondas sonoras) pelo exercício de uma habilidade e um conjunto de conhecimentos (quanto tempo o pra cozinhar o feijão, perspectiva, modos gregos) são relacionáveis.
"o uso consciente de habilidade e criatividade imaginativa especialmente na produção de objetos estéticos [...] também: trabalhos assim produzidos" (Merriam-Webster, em tradução livre)
Eu acho que nem preciso tentar convencer ninguém que cozinhar é uma arte. Mas sabe o que eu também acho arte? Programação. Um bom código é comparável a um bom texto; não em beleza ou expressão humana de sentimentos e sensações, mas no uso de habilidade e criatividade imaginativa. E o resultado pode sim ser esteticamente agradável.
E aí entra o vibe-coding. A onda do momento. Programadores estão aos montes adotando essa técnica: programar apenas orientando uma ferramenta de inteligência artificial.
O vibe-coding é para a programação o que o junk food é para cozinhar.
"Uma habilidade em fazer algo específico, tipicamente adquirida através de prática" (Oxford Dictionaries, em tradução livre)
Mandar um robô fazer seu dever de casa não vai te ajudar a aprender. Mandar um robô fazer seu trabalho vai te privar da prática e eventualmente sua habilidade definhará.
É como só comprar comida enlatada, ou só pedir por internet ou telefone.
Você pode contra-argumentar com a importância que a comida enlatada teve no pós Segunda Guerra, ou como pedir comida é prático pra pessoas que hoje em dia vivem um dia corrido, com muitas horas de trabalho e de deslocamento, e chegarão em casa cansadas demais para cozinhar. É justo e é verdade.
Você pode argumentar também que o vibe-coding permite que pessoas sem a habilidade de programar construam um programa de computador. É justo e é verdade.
E é verdade que comida enlatada é uma porcaria, o código vibe-coded é uma porcaria. A comida produzida em massa por máquinas em fábricas gigantescas não tem o toque humano, o improviso criativo, a história da comida feita em casa; o código produzido em segundos por máquinas em data centers gigantescos e sedentos não entende suas regras de negócio, ou as decisões de produto tomadas anteriormente, e nem vai ter uma sacada nova.
Junk food e código de IA não são arte - como não são arte as ridículas músicas ou as horríveis versões desenho da sua foto de perfil. Podem ter algum valor para as pessoas, sim. São úteis.
Mas são feios. E o mundo não precisa de coisas feias.